O guardião da Sétima Arte de Rua Celebra 65 Anos e Reconquista o Coração da Capital
No coração do Plano Piloto, onde a visão urbanística de Lucio Costa idealizou um cinema a cada poucas quadras, resiste um gigante da cultura: o Cine Brasília (EQS 106/107). Nascido da prancheta de Oscar Niemeyer e inaugurado em 22 de abril de 1960, um dia após a fundação da capital, ele se mantém como o único cinema de rua do Distrito Federal e a maior sala de cinema em atividade no Brasil, com capacidade para 620 espectadores.
Primeiro equipamento público cultural de Brasília, o Cine Brasília testemunhou a efervescência artística da cidade, palco do renomado Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Ao longo de suas seis décadas e meia, enfrentou desafios, mas como um tesouro, sobreviveu e, nos últimos anos, passou por uma revitalização que o tem reconectado com o público brasiliense.
Reformas recentes trouxeram modernização, acessibilidade e conforto, impulsionando uma programação diversificada e regular, fruto da gestão compartilhada entre o Governo do Distrito Federal (GDF), através da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), e uma organização da sociedade civil (OSC).
“O Cine Brasília vai completar 65 anos, mas pelo funcionamento intermitente que teve ao longo do tempo precisou ser reposicionado e reconstruído em sua história, o que vem acontecendo nos últimos anos”, explica Sara Rocha, diretora do Cine Brasília. “Estamos nesse processo de reposição para que ele seja redescoberto e integrado à rotina de lazer das pessoas, já que foi originalmente desenvolvido para ser uma sala de cinema pública com programação de qualidade a preços populares e uma alternativa às grandes cadeias, trazendo ao entretenimento camadas de reflexão”.
Memória Afetiva e Resistência Cultural:
Para muitos brasilienses, o Cine Brasília é mais do que um cinema; é um marco de memória afetiva. A pesquisadora de audiovisual Daniela Marinho, que hoje trabalha no local, encontrou no cinema de rua um refúgio e uma paixão que moldaram sua trajetória profissional. “Sempre foi o meu cinema favorito… Acho que me encantei pelo cinema brasileiro dentro do Cine Brasília. Trabalhar aqui é, de fato, a realização de um sonho”, compartilha.
O renomado documentarista Silvio Tendler também nutre uma forte ligação com o espaço, desde suas primeiras participações nos Festivais de Cinema de Brasília nos anos 1970. “Além de cinema, o palco se tornou espaço de grandes encontros e debates de cineastas de todo o país”, relembra, destacando a plateia vibrante e participativa.
Novos Públicos e Formação de Plateia:
Hoje, o Cine Brasília colhe os frutos de seus esforços de revitalização, atraindo um público cada vez maior e mais diversificado. Em 2024, recebeu 91 mil pessoas, e nos três primeiros meses deste ano, já foram registrados 45 mil espectadores.
Aline Peres, moradora do Guará, é um exemplo dessa redescoberta. Após conhecer o cinema em novembro passado, tornou-se uma frequentadora assídua, atraída pela programação variada, preços acessíveis e ambiente acolhedor. “Sempre gostei de filmes, principalmente os nacionais, mas os espaços de cinema de shopping nunca me agradaram… Depois de conhecer o Cine Brasília essa minha relação mudou”, conta, entusiasmada com os debates promovidos no local.
Investimento e Futuro Promissor:
Em 2024, o Cine Brasília passou por uma importante reforma estrutural, com um investimento de R$ 1,5 milhão da Lei Paulo Gustavo. As melhorias incluíram a adequação da acessibilidade, restauração da tela para projeção em 4K, impermeabilização do telhado e reparos na iluminação externa, além do restauro da obra Candango na entrada.
O GDF também planeja expandir o Cine Brasília com a construção de uma cinemateca, um projeto que integra a visão original de Oscar Niemeyer e será selecionado por meio de concurso público de arquitetura.
“O Cine Brasília é um lugar que está muito na vida das pessoas, porque está ligado à cena cultural da cidade desde o início. Então as pessoas realmente têm relações afetivas com o espaço”, ressalta o secretário de Cultura e Economia Criativa, Claudio Abrantes. “Temos feito inúmeras melhorias, e com a preocupação de sempre apresentar o melhor. A nossa ideia é, cada vez mais, expandir o acesso e trazer mais mostras e pessoas para cá”.
Ao completar 65 anos, o Cine Brasília reafirma sua importância como um farol cultural, um espaço de encontro, de memória e de celebração da sétima arte em sua mais autêntica forma: na rua, acessível a todos, pulsando no coração da capital.




