Museu Nacional ganha novas mostras
No mezanino, uma exposição de pinturas, desenhos, esculturas e objetos que se misturam, contaminam-se e propõem uma percepção profana da arte. Na galeria principal, uma mostra de fotos inéditas de expedição ao Alto Xingu, em 1957, de interesse histórico e etnográfico. Essas são as atrações que o Museu Nacional da República (MUN) exibe a partir da sexta-feira (18.3) e seguem até 22.5.
“Envenenada; profanações e poliformismo tonais” é a primeira mostra da jovem artista Raquel Nava no Museu Nacional, formada em artes visuais e mestre em poéticas contemporâneas na Universidade de Brasília (UnB), enquanto “Xingu 57: viagem ao Brasil Central” reúne registros fotográficos feitos pelo entomólogo mineiro Domiciano Dias.
TINTAS E ESQUELETOS
Um dos desafios da artista Raquel Nava, na montagem da exposição “Envenenada; profanações e poliformismo tonais”, é o de tentar criar “um ambiente poluído, fora do senso comum de limpeza que temos de uma galeria de arte, mostrar a contaminação entre as obras, evocar a ideia de ateliê”.
“Meu trabalho tem essa característica de juntar materiais diferentes e desconstruir a hierarquia entre eles. Não há distinção entre materiais artísticos e os que são mais cotidianos. Todos são tratados da mesma forma, têm o mesmo valor simbólico, cultural. Não tem isso de alta e baixa arte”, reforça Raquel Nava.
Sobre o polimorfismo, a artista esclarece que o termo alude às várias formas que surgem e às muitas técnicas e mídias com que ela trabalha. Pinturas em tela, em diversas técnicas, e fotografias em diferentes suportes, que remetem às “fine arts”, misturam-se a objetos muito frágeis, precários, que sofrem a ação do tempo.
A curadora da exposição de Raquel, Fabrícia Jordão, conta que a artista não apenas nos convoca a pensar formas outras de interdependência [entre materiais], mas também propõe que na “arte tudo é bastardo e impuro”.
“Na maioria das situações, o ‘dado animal’ – ossos, penas, peles, patas, cascos, crânios, enfim, os restos de bicho – aparece dessemantizado”, explica Jordão, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e doutora em Artes pela Eca (USP).
“Identificamos ossos, não ossos de cachorro; identificamos peles, não peles de coelho; identificamos crânios, não crânios de vaca… Dissociados de suas identidades e contextos originais, fragmentados em sua unidade formal, os restos de animais assumem um novo uso”, ensina.
Duas séries de Raquel produzidas em 2018 tiveram apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), em 2017, com uma proposta de pesquisa e residência artística no Museu de Anatomia Veterinária da UnB. O projeto “Taxidermia contemporânea: transformações e apropriações”, recebeu R$ 40 mil, teve pesquisa de três meses e gerou seis postos de trabalho. As obras são “Paleta”, que recebeu o prêmio de Arte Contemporânea Transborda Brasília, em 2018, e “Azul por tu/ Blue for you”. Elas estarão na exposição.
MEMÓRIAS DO XINGU
A exposição “Xingu 57: viagem ao Brasil Central” reúne imagens feitas pelo biólogo Domiciano Dias, 93 anos, que acompanhou expedição do sertanista Orlando Villas-Bôas (1914-2002) ao Alto Xingu em 1957, no Mato Grosso. Eles seguiram os cursos dos rios Xingu e Liberdade, atingindo a região onde hoje é o Parque Indígena.
A coleção é composta por mais de 100 imagens em preto e branco e algumas em cores, fruto de negativos descobertos pelo neto de Domiciano, Oto Reifschneider. Bacharel em história, mestre em sociologia e doutor em ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB), ele percebeu o achado como documentos de valor histórico e etnográfico. É também dono de uma galeria de arte e faz curadorias há mais de 10 anos.
Os negativos foram primeiramente digitalizados e depois os arquivos digitais foram restaurados. Oto explica parte do processo: “existem vários caminhos para se fazer isso, cada qual com suas vantagens e desvantagens. Optamos por fotografar os negativos e trabalhar as imagens obtidas. Para isso utilizamos lentes excelentes, que chegavam ao detalhe do grão do filme”.
O trabalho de restauração dos negativos – pesquisa, digitalização e divulgação contou com recursos do FAC, na linha patrimônio histórico e artístico material e imaterial, no valor de R$ 119.200.
As fotos registram os bastidores de um período em que os irmãos Orlando e Cláudio Villas-Bôas (1916-1998)] angariavam apoio para criação do Parque Indígena. Isso acabou ocorrendo em 1961, com delimitação de área de 26.420 km², uma das mais importantes do mundo. O projeto é de Darcy Ribeiro, quando o antropólogo era funcionário do Serviço de Proteção aos Índios, órgão precursor da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Em relato de Domiciano, documentado pelo neto, o biólogo fala da empreitada: “havia apenas o silêncio, os rastros dos animais nos barrancos de areia, os índios. Era ainda um território selvagem, você se perdia. Foram semanas de caça, de travessias por nuvens infernais de borrachudos, semanas na selva.”
Domiciano fez os registros fotográficos amadores alternando duas das câmeras mais modernas na época, as alemãs Exakta e Leica. “A Exakta foi bastante utilizada por pesquisadores e cientistas. Para quem não conhece o que foi a fotografia no século 20, eu diria que a Leica é o equivalente ao que é hoje a marca Apple”.
Na exposição, as pessoas poderão ver imagens dos deslocamentos da equipe de sertanistas na selva e de indígenas das etnias Xavante, Mehinako, Kuikuro, Aweti, Txucarramãe, Juruna e Yawalapiti.
Serviço
Museu Nacional da República
Equipamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec)
De terça-feira a domingo, das 9h às 18h30.
‘Envenenada: profanações e polimorfismo tonais’ (mezanino)
18 de março a 22 de maio
“Xingu 57: viagem ao Brasil Central” (galeria principal)
De 18 de março a 22 de maio de 2022
Luiza Gottschalk – “Clareira” (galeria térreo)
Até 10 de abril
Tsolak Topchyan – “No entre céus” (sala 2)
Até 10 de abril
Entrada gratuita
Classificação indicativa livre
Assessoria de Comunicação da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Ascom/Secec)